sexta-feira, 18 de maio de 2012

Severa Romana


De tantas “Beléns” e personagens que habitam o Centro de Memória da Amazônia/UFPA, encontramos Dona Ferreira que morava na Belém de 1900. Um tempo em que a cidade respirava ares de mudanças, que incluía profundas alterações na sua malha urbana e na população. Uma onda de nordestinos continuava chegando, principalmente cearenses, fugindo dos rigores da seca e acreditando na possibilidade de construir uma vida sustentada pela riqueza gerada pelo “ouro negro”.

Entre tantas moradas dessa Belém, tinha uma casa situada na rua João Balbi, número 81, que trazia na sua estrutura domiciliar e na sua arrumação doméstica, as marcas das transformações urbanas. Lá moravam várias famílias, entre elas: a de Dona Ferreira e seu marido; a do cabo do exército, o cearense Antonio; e a de outra cearense, Dona Gadelha. Embora vivessem no mesmo espaço domiciliar (e, talvez, por isso), as relações entre tais pessoas eram marcadas por tensões e por paixões. Até que, no dia 02 de julho de 1900, essas tensões explodiram. Dona Ferreira era responsável por fazer a comida dos moradores da casa. Na ocasião do almoço, quando fora servir a refeição ao cabo Antonio, este se recusou a comer, reclamando do tempero da comida – segundo ele, faltava cebola e azeite. A discussão fora testemunhada por uma terceira pessoa, Dona Gadelha, que se recusou a assistir a confusão. Cansada da briga, Dona Gadelha se retirou assustada para o quintal. Nesse instante, ouviu os gritos aflitos de Dona Ferreira. Correndo para o interior da casa, encontrou a cozinheira deitada de bruços no chão e imóvel. A primeira impressão da testemunha foi que a vítima havia levado uns safanões, mas ao chegar mais perto viu o sangue escorrendo das mãos, do pescoço degolado e do peito. Dona Ferreira estava morta. O assassino fora visto correndo na direção da Tv. 14 de Março e perseguido por uma pequena multidão entusiasmada em prendê-lo. O criminoso se refugiou no XV Batalhão, onde se entregou e confessou o crime. A multidão que o perseguira não esqueceu o crime e passou a chamá-lo de “fera fardada”.

No dia de seu julgamento (27/07/1900), a multidão estava de prontidão e se encarregou de repetir, efusivamente, a alcunha; e da turba alvoroçada pedras cruzaram o ar para alcançar o criminoso. Essa história, e tantas outras partes do passado da Amazônia, encontra-se na documentação criminal arquivada no Centro de Memória da Amazônia. Quantos mortos, quantas paixões, quantos medos, quantas cidades, quantas histórias aguardam um curioso e aguçado olhar para serem desveladas? Quantos passados podemos criar? Dona Ferreira, a assassinada, era uma pessoa bastante conhecida por vocês. Seu nome completo era Dona Severa Romana Ferreira, mulher que, até hoje, merece a devoção de tantos e por tantos. A fé e o tempo se encontram!

Nos tempos atuais:
Quarta-feira, 20/01/2010, 08h26

Espetáculo 'Severa Romana' está de volta ao teatro



Severa Romana era uma mulher simples. Aos 19 anos, prestes a ter um filho, ela se transformou em um verdadeiro mito popular. Dedicada ao marido e fiel aos seus princípios, Severa foi violentada e brutalmente assassinada com golpes de navalha pelo Cabo Ferreira. O ano era 1900 e a cidade de Belém vivia as riquezas da Belle Èpoque. A notícia logo se espalhou. À moça foram atribuídos milagres e graças. Até hoje, muitos fiéis ainda se reúnem em volta de seu túmulo no cemitério de Santa Izabel, no centro da cidade. Ela virou mártir e continua inspirando os paraenses não só no plano espiritual. A triste história da jovem moça virou filmes e peças de teatro.

A Trupe de Teatro Flor de Lyz, de Ananindeua, apresenta novamente a adaptação “Severa Romana: A Mártir Popular”. Com texto do jornalista e dramaturgo Nazareno Tourinho, que fez a adaptação da morte de Severa em 1960, e direção geral de Lúcio Martins, o espetáculo reconta de maneira realista o drama da jovem assassinada. As apresentações da primeira temporada iniciam hoje, às 20h, no Teatro Waldemar Henrique, e seguem no mesmo horário até o próximo domingo, dia 23.

O espetáculo começou a ser montado em maio do ano passado e viabilizado após a Trupe ter sido contemplada pelo Prêmio Funarte de Teatro Myrian Muniz 2009, da Fundação Nacional de Artes (Funarte). A tragicomédia, apresentada em 1 ato e 13 cenas, tem personagens caricatos que expõem os costumes dos belenenses em 1900, o clima de uma cidade que vivia seu êxito econômico, com cenários e figurinos que remetem à cidade de Belém deste período. Mas para além dos aspectos que compõem o enredo, o espetáculo apresenta valores éticos e morais. “A peça enfatiza também a violência contra a mulher e o abuso de poder, que mesmo sendo fatos que ocorreram há mais de cem anos, continuam acontecendo”, diz o diretor Lúcio Martins . 



Nota de Igor Furtado:
Lúcio Martins -que é amigo deste que vos injeta nas veias das mentes ávidas por causos e acontecimentos- "trouxe de volta à vida" a Severa Romana de tempos idos; de uma Belém ainda menina, amadurecendo nesta "metrópole da Amazônia" como é conhecida. Uma história onde o real e o fantástico se fundem num espetáculo cativante.
Abaixo um vídeo que anunciava a peça:



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