sexta-feira, 18 de maio de 2012

O Xincuã


A lenda do Xincuã é uma Lenda Ornitológica por se relativa a um pássaro, diferentemente das outras espécies de animais, como o Boto, da Boiaçu, da Mula-sem-cabeça, do lobsimem, etc., pois os animais aqui não se revestem de formas mitológicas, mas simplesmente exercem certas e determinadas influências, como a do Xincuã que é atribuída ao pássaro à natureza de alma penada, caracterizando-o como pássaro agourento.

A lenda do Xincuã foi narrada pela primeira vez no livro Lendas Amazônicas (1916), e a segunda em 1951 em Folclore Amazônico. A história se passa na palhoça da família do senhor Polidoro, que morava com sua esposa Maria suas duas filhas às margens do rio Maguari-Açu às proximidades de Ananindeua. O Velho Polidoro pescava e a mulher com as duas filhas cultivavam um pequeno roçado. Veja a seguir a história:

- Boa tarde, nhá Maria, como vai passando?
- Assim e você? 
(...)
- (...) Onde esta seu marido? Foi à pesca?
- Ele! Pois então o senhor não sabe que o Polidoro está deitado há três dias! [?]
- Não sabia. E o que tem ele?
- Sei lá; deu-lhe uma dor no lado e uma febre que o pobre homem não sabe pra donde se virar.
- Algum resfriamento; mande buscar remédio lá em casa.
- Qual? Polidoro está bem mal. Não sei mesmo se ele escapa desta.
- Não desanime, nhá Maria, tenha fé em Deus.
-Fé eu tenho, mas é que sucede cada coisa, que faz a gente imaginar.
(...)
Havia três dias que o Polidoro adoecera e a febre não cedia com os chás e as defumações que a mulher lhe fazia.
(...)
Quando se agrava a doença e as mezinhas (remédios caseiros) foram já repudiadas, os parentes do enfermo tratam, imediatamente, de lhe preparar os últimos momentos e prevenir o enterro. 
(...)
É por isso que o caboclo, quando anuncia que uma criatura está doente, em estado grave, usa dizer, com certa ironia simplória: [--] “Fulano está para dar café!”
Em casa do enfermo desenganado reúne-se toda a parentela e aí fica, dias e dias, dormindo e comendo, à espera da morte do doente, a quem faz quarto. De instante em instante, corre o café.
(...)
Na manhã seguinte fui à casa de Polidoro.
Encontrei um mundo de gente lá metido.
(...)
Nhá Maria levantou-se e me fez entrar.
- Você está vendo?! Eu não disse que Polidoro estava mesmo mal?!
- Morreu seu marido? Indaguei surpreendido.
- Não senhor; mas não escapa. (...)
Sentei-me a um banco; nhá Angélica, irmã do doente, veio sentar-se ao meu lado e, depois de um prolongado silêncio, em que só se ouvia, de quando em quando, um gemido do Polidoro e o tamborilar dos dedos dos caboclos nos parapeitos das janelas e nas ombreiras das portas, onde se acostaram, cantou-me que todos os dias, ao amanhecer e ao pôr do sol, um belo xincuã costumava poisar nos galhos do marupaúba, em frente à casa do irmão, e ali ficava horas inteiras a cantar alegremente o seu tê-tê-tê-tê...
Aconteceu, porém, que no dia em que o Polidoro adoeceu, o pássaro deixou de trinar o seu canto de alegria, para entoar o fatídico xin-cu-ã.
Eis o motivo certo da tristeza da cabocla, disse de mim para mim; a superstição garroteando-lhe o espírito! 
- Vimos logo, prossegui nhá Angélica, que o Polidoro não levantava desta. O malvado veio avisar-nos que meu irmão esta para morrer.
- E você acredita que um pássaro bruto possa lá saber aquilo que nós ignoramos?
- Ora, se não! Xincuã adivinha quando a gente esta para morrer, porque xincuã é alma penada. Quem sabe, até, se esse um não é a alma do pai ou da mãe do Polidoro! Vosmecê não acredita, mas o fato é que quando uma pessoa adoece e esse malvado vem cantar xincuã e não tê-tê-tê, junto da casa, pode contar...
E lá voltou nhá Maria com a garrafa de meupatia, que veio buscar por descargo de consciência, mas com a certeza de que o Polidoro não escaparia desta. Xincuã não se engana.

Fonte: Oliveira, José Coutinho. Imaginário Amazônico. SILVA, Ana Paula Rebelo; REBELO, Maria Madalena de Oliveira; CORRÊA, Paulo Maués. Belém: Paka-Tatu, 2007.

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