O ano eu não recordo muito bem, mas sei com absoluta certeza que era década de 90.Desde minha mais tenra idade, me recordo ter constantemente sonhos lúcidos (em que se tem consciência de que é um sonho) e por isso, eu me julgava um "mestre dos sonhos" ou algo assim. É mais ou menos como se o dono de uma grande loja de doces te desse a chave e dissesse: -Pegue o que quiser!- Imagina isso! Bom era mais ou menos assim...
Eu ia para o meu quarto como qualquer ser humano normal, deitava na cama e ao fechar os meus olhos, abria-se um "portal mágico" pelo qual eu passava. Daí tudo o que eu quisesse ou fizesse era possível e lícito (tudo mesmo).
Numa dessas viagens pela terra dos sonhos, me vi andando em meio a galpões velhos e cheios de caixas de madeira podre, parecendo tão real e nítido que eu realmente cheguei a pensar que estava acordado, mas havia minhas habilidades especiais. Isso me tornava "Deus", a não ser pelo fato de que tinha certeza de que dentro de algum tempo eu acordaria e voltaria a ser o mesmo garoto gordinho e tímido que sofria "bullyng" na escola, voltava para casa e se afundava nos livros. Me recordo que parei e sentei na beira de uma sargeta imunda, e fiquei pensando: -Meu Deus por que não posso ficar aqui para sempre? É tão bom! Aqui eu sou alguém! Ninguém no mundo real sentirá minha falta! Decidido a permanecer no sonho para sempre e sem nenhum resquício de culpa, tentei por minha própria força não acordar. No meio dessa minha luta, senti que havia mais alguém perto de mim. Não uma pessoa de sonho,mas uma presença forte e real que me fez gelar de medo e perder toda a concentração. Foi quando olhei para o meu lado esquerdo e vi, um pouco acima de um dos galpões, um vórtex que rodopiava muito rápido, e no meio dele lentamente surgia uma face. Aquilo não era humano; era enorme. O desgraçado sorria para mim e mais depressa do que eu podia me livrar, começou a me arrastar ferozmente na direção da sua enorme boca. Nessas alturas, o dia já estava nascendo e iluminando o meu quarto. -Vou acordar! Mas, não foi tão fácil como eu esperava. Eu agora estava preso entre dois mundos e o que me restava era o sol brilhar mais forte e me despertar antes que fosse tarde demais. Tudo ao meu redor era tragado pela boca, e sentia eu que seria o próximo. Foi quando o mais estranho aconteceu.
Do lado oposto ao que eu ia sendo arrastado, abriu-se outro vórtex, diferente do primeiro (esse era feito de uma luz dourada), através do qual eu vi claramente meu corpo desacordado na cama e com os primeiros raios do sol já quase a tocar minha pele. Eu gritei o mais que pude, estiquei o braço e tentei tocar a minha face do outro lado. Faltou pouco. Tentei de novo, mas não havia como. Então, fechei os olhos no sonho e procurei sentir o que meu corpo real tocava. Foi quando no momento decisivo, minha mão se ergueu e segurou a minha do outro lado, abri meus olhos e olhamos um para o outro (eu comigo mesmo), sorrindo, unimos nossas forças e numa última tentativa, conseguimos nos juntar novamente. Meu corpo levantou a uma considerável altura e caiu pesadamente sobre a cama. Virei para ver o vórtex, mas ele já estava se fechando. Fiquei assim parado por algum tempo, até que o sol tocasse meu corpo e eu tivesse a certeza de que realmente havia acordado, e que tudo não havia passado de um pesadelo.
Essas experiências estranhas e acontecimentos fantásticos, em sua maioria, ocorreram na casa em que morei boa parte da minha vida, na Cidade Nova IV, WE-45, 442.Minha família e eu já mudamos para outra casa, a antiga ainda está lá de pé, como que a me desafiar a cada vez que por lá passo.
Hoje tenho 32 anos, sou casado e tenho uma filha. Volto a dizer que ainda sinto muito medo disso...
Igor Furtado.
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